O artigo descreve as relações entre as empresas de commodities e os quilombolas no norte do estado do Espírito Santo. A partir do cenário do conflito étnico e territorial, proponho descrever como as relações entre capital e quilombolas se mantém com base na reprodução das condições de subalternidade. Lanço mão da análise de dispositivos desenvolvidos pelas empresas de commodities para acomodar os conflitos enquanto se colocam como mediadores no acesso à direitos, antes apenas oferecidos pelo Estado.
Este texto procura analisar do ponto de vista etnográfico uma Audiência Pública protagonizada pelo Ministério Público Federal (MPF) na cidade de São Mateus, Norte do Espírito Santo, cujo tema foi a regularização dos territórios quilombolas no Espírito Santo. A partir da conjuntura da aplicação do artigo 68 da Constituição Federal e do Decreto 4887/2003 entre os quilombolas no estado, as práticas ordinárias do MPF e o posicionamento dos agentes durante a referida Audiência Pública, busco descrever os significados da produção da justiça em tais contextos e como eles são percebidos pelos que dela tomaram parte.
O artigo analisa o impacto da concepção de Democracia Racial na construção das relações étnico-raciais no Brasil. Tomando como universo empírico uma política pública e educação de jovens e adultos serão avaliados os pontos de vistas articulados a favor e contra as cotas étnico-raciais no contexto contemporâneo. Com base no referencial analítico e teórico dos estudos raciais brasileiros, indaga-se sobre como se estrutura, no imaginário social de uma população de baixa renda, vista como "fracassada", o tema clássico do "mito da Democracia Racial". O artigo tem como metodologia uma etnografia cujos resultados apontam dimensões profundas da reprodução do Racismo no cotidiano escolar, forjadas nas tensões com as representações sociais sobre categorias como "raça" e "igualdade".
O artigo apresenta, em caráter ainda preliminar e exploratório, a pesquisa sobre os efeitos da Comissão Nacional da Verdade sobre as minorias étnicas após esta completar dez anos da sua criação em novembro de 2021. Procuramos estudar e analisar a atuação do poder público em resposta às recomendações da Comissão Nacional da Verdade em torno das minorias étnicas, principalmente os povos indígenas, bem como a abordagem dos problemas que suscitaram em suas ações para reconhecimento e garantias de povos vítimas de abusos estatais autoritários, assim preconizando a promoção de direitos de transição. No decorrer do artigo, realizamos, em um primeiro momento, uma análise, à luz da antropologia política/poder, da produção de um discurso estatal da Comissão Nacional da Verdade para a pretensão de integração nacional e reparação por meio de revelação de uma "verdade" nacional usada para uma suposta reconciliação nacional. Tal reflexão de uma preterida "verdade" é dialogada e interpretada com os entendimentos teóricos de Michel Foucault (1979, 2004, 2005, 2008) e Agamben (2008), com ressonâncias na memória e no testemunho como foco na produção dos sujeitos assujeitados. Em segundo plano, consideramos (até onde a pesquisa em desenvolvimento nos permite alcançar) as condições jurídicas de reparação em processos e a manifestação da sociedade civil, da academia e dos próprios povos indígenas sobre as políticas de reparação, continuidades e descontinuidades das arbitrariedades do governo.
Este dossiê temático da ACENO tem como objeto as territorialidades e processos de identificação negras, quilombolas e indígenas. A proposta busca chamar a atenção para processos de identificação e territorialização que forneçam perspectivas adicionais às análises consolidadas que se dedicaram às tradições, à etnogênese e às situações de fronteiras étnicas, mais afeitos às mediações com o Estado-nação, que privilegiaram as relações políticas, agentes e agência da burocracia.
Um movimento renovado de coletivos indígenas, quilombolas e negros tem revisitado tais abordagens mediante a crítica sistemática aos padrões eurocentrados, brancos e coloniais que produziram a invisibilização sistemática do que esses movimentos consideram relevantes. Dentre essas, categorias como "retomada" e "resistência" – não apenas como reação mas como re-existência – territorial e existencial são fundamentais quando tomadas como conceitos que descrevem diferentes vínculos entre actantes dos mais diversos modos de existência.
A proposta privilegiará a publicação de etnografias e reflexões teóricas acerca desse novo cenário no qual entes produzem reflexões cosmopolíticas e modos de agir com (ou contra) o Estado-nação de modos antes insuspeitos. Espera-se que as contribuições contemplem a diversidade regional, étnico-racial e de gênero, bem como contribuições dos povos originários e povos e comunidades tradicionais.
Trata-se de consolidar olhares não pela via da memória ou da prova, mas pela cosmologia e relacionalidade estendida a todos existentes, recuperando algo dado como perdido ou inexistente. Pretende-se de sublinhar identificações e territorialidades que encontram novas maneiras de se expressar, retomando terras, práticas, contato com seres, objetos, linguagens sem que essas nunca tenham sido perdidas de fato.
Apresentação Dossiê: "Cosmologias, territorialidades e políticas de quilombolas e de povos tradicionais" – ACENO, Revista de Antropologia do Centro-Oeste, 6 (3). Cuiabá: PPGAS/UFMT, ago. /dez. 2016.